tentado a dizer que os dardos sejam sempre velozes demais
fugazes demais
no entanto me retenho
escrevo, remexo, 
tenho mãos

e as amizades, não são as amizades também dardos
sempre velozes demais? 
tampam sóis e forjam células fotosensíveis
à pele,

a fim de fazer da pele um fim
de dia,  a de um ciclista à beira
da estrada encarando
os faróis que passam

passam e também dardejam 
seu caminho escasso, 
ameaçadores

os dardos são velozes demais
no entanto somos tentados
ao soturno exercício das mãos
que guiam
ao luminoso exercício de tê-las
de redundá-las
em outras

o eclipse recíproco, 
a conjunção dos dardos

somos tentados a tampar o sol com a sobrepele dos ciclistas 
que em bandos, solitários 
percorrem a estrada fixa

somos tentados a ser
os entrechos de clarividência
das negras sobrepeles dos ciclistas
dos corpos cobertos dos ciclistas
os ciclistas dardejantes
velozes demais
fugazes demais

psyché

o belo existe só
como um mosquito, pousado
na superfície de um lago

e sendo eu o lago,
não o posso apanhar
sem matá-lo

nem posso dizer que ele é o meu mosquito,
o do meu lago,
pois que ele me tem como um
entre tantos outros lagos

tanto faz qual seja
o líquido sustento
de seu nenhum caminho

ele fixa o reflexo
onde quer fixá-lo
e os pântanos por aqui
são vários

e se é belo,
não é por sua anatomia
e não é também
por andar sobre as águas

(isto se chama
"ser bom no que faz")

é belo, sim,
porque não o posso apanhar
embora insista

com as agulhas de suas patas
em suscitar minha superfície,
em retê-la, poça repentina

mais densa
que o centro do centro do lago



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